sexta-feira, 8 de julho de 2011

Síntese de alguma de minhas metades

METADE
Que a força do medo que eu tenho, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,mas a outra metade é silêncio…

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste…
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade…
também

- Ferreira Gullar

Nem

Nem toda hora é obra,
nem toda obra é prima,
algumas são mães,
outras irmãs,
algumas clima
- Leminski

Quintana desvendando feelings

DO AMOROSO ESQUECIMENTO 

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Bilhete de Mário Quintana

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Leminski (de novo)

Apagar-me


Apagar-me 
diluir-me 
desmanchar-me 
até que depois 
de mim 
de nós 
de tudo 
não reste mais 
que o charme.




Amanheça, por favor.

A lua no cinema (Paulo Leminski)

   A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
   a história de uma estrela
que não tinha namorado.

   Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
   dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

   Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
   e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

   A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
   que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!

Benedetti

Às vezes curso você sorrir e não importa o quão bonito ou feio
quantos anos ou jovens quanto ou como pouco você realmente é
sorrisos que se uma revelação e cancelar o seu sorriso todos os anteriores expiram imediatamente seus rostos como máscaras seus olhos duros frágil como espelhos ovais a boca para morder seu queixo moda maçãs do rosto perfumado suas pálpebras seu medo
sorrisos e você nasceu assume o mundo olha sem olhar desamparado nu transparente e talvez se o sorriso é muito a partir do interior profundo
Você pode chorar simplesmente sem rasgar não desesperado sem chamar a morte ou sentir-se vazia lamentar
só choram
então o seu sorriso
se ele ainda existe
torna-se um arco-íris.

Leminski

Se
se
nem 
for
terra
se
trans
for 
mar


Rio do Mistério
rio do mistério
que seria de mim
        se me levassem a sério?



Não fosse isso
não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase



Que tudo se foda
 -que tudo se foda,
disse ela,
    e se fodeu toda



Vazio Agudo
vazio agudo
ando meio
cheio de tudo



Amar é um elo
  amar é um elo
entre o azul
   e o amarelo

Fernando Pessoa

Acordo de noite subitamente.
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora,
O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena coisa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única coisa que o meu relógio simboliza ou significa
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...

sem razões.

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


CDA

quinta-feira, 7 de julho de 2011

amar Florbela

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja minha noite uma alvorada,
Que eu saiba me perder… pra me encontrar…
Florbela Espanca

Leminski na dica

Confira

tudo que

respira

conspira

Paulo Leminski

Sozinho com todo mundo

A carne cobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homem bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne.
de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.
ninguém nunca encontra
o par ideal.
as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam
nada mais
se completa.

Charles Bukowski

Chacal - curtinhas

Ontem

ontem hoje amanhã e sempre
a mesma coisa
às vezes varea
escassa rarea
vaza enche esvazia
depende do dia

É proibido pisar na grama

o jeito é deitar e rolar

20 anos recolhidos

chegou a hora de amar desesperadamente
.                                      apaixonadamente
.                                      descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
.                       de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega.


O outro

só quero
o que não
o que nunca
o inviável
o impossível
não quero
o que já
o que foi
o vencido
o plausível
só quero
o que ainda
o que atiça
o impraticável
o incrível
não quero
o que sim
o que sempre
o sabido
o cabível
eu quero
o outro

Chacal 1

Palavra Corpo

a palavra vive no papel
com vírgulas hífens crases reticências
leva uma vida reclusa de carmelita decalça
corpo palavra
o corpo aprender a ler na rua
com manchetes de jornais
jogadas na cara pelo vento
com gírias palavrões
zoando no ouvido
com gritos sussurros
impressos na pele
palavra corpo
a palavra quer sair de si
a palavra quer cair no mundo
a palavra quer soar por aí
a palavra quer ir mais fundo
a palavra funda
a palavra quer
a palavra fala:
- eu quero um corpo !
corpo palavra
o corpo sabe letras com gosto
de carne osso unha e gente
o corpo lê nas entrelinhas
o corpo conhece os sinais
o corpo não mente
o corpo quer dizer o que sabe
o corpo sabe
o corpo quer
o corpo diz:
- fala palavra !!!
palavracorpo corpopalavra

personagens

Liza Minelli em Cabaret
Grouxo Marx
Alex (laranja mecanica)
Sabine
Norma Desmond
Frida
Penelope Cruz em Volver
Juno
Annie Hall
Noiva do Kill Bill
Natalie Portman em Closer

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Tradução (uma vertente)

O que eu sinto eu não ajo.

O que ajo não penso.

O que penso não sinto.

Do que sei sou ignorante.

Do que sinto não ignoro.

Não me entendo e ajo como se entendesse.
-Clarice Lispector
 
Adoro quando colocam em palavras aquilo que eu sinto e não sei descrever. Mais uma vez Clarice que tanto me identifico e que ao se fazer me faz entender.

domingo, 3 de julho de 2011

Mautner 3

PERFURO O VENTRE DA ESCURIDÃO

Perfuro o ventre da escuridão
onde as coisas se escondem
porque estão cheias de sim e de não e de confusão
e quando pergunto sobre qualquer assunto nunca
         respondem
São como coisas presas ao labirinto
com algemas nos pulsos e tudo
são cinco pras cinco e eu já me sinto
dentro do seu não e de um caixão de veludo

Toca teu samba, toca
e tortura meu ser com prazer de ser
a tortura como aquela coisa que nos choca
onde a alegria me enganava se dizendo a alegria de não ter

Não ter o quê?
Ora, tá na cara
não ter é não ter você                
seja com grilo ou seja odara

Luas de prata conseguem
fazer com que lentamente
as sensações das emoções naveguem
e invadam como as fadas minha mente

Doem-me todas as cicatrizes
e sinto as rugas das verrugas
Sei que és como atores e atrizes
e que sempre atacas quem te quer por em fugas

Tocas então mil serenatas
e antigas cantigas e rondós
depois mijas no chão como os cães vira-latas
e ficas falando de ti quando estamos a sós

É por isso que sinto todos estes e aquelas
dores incolores e na garganta estes nós
Nem as cores de óleos, hologramas ou aquarelas
poderiam expressar tão bem estes meus ós, ós, ós!